Os jesuítas e a imigração alemã – O projeto social #3

Assim como a Associação Rio-Grandense de Agricultores fora fundada por ocasião de um Congresso dos Católicos, em 1899, assim também a Sociedade União Popular resultou de uma proposta no nono Congresso, em 1912,  em Venâncio Aires. O tema central do Congresso contemplava a situação cultural, educacional, religiosa e econômica das comunidades teuto-brasileiras católicas. Chegara-se ao ponto em se tornara inadiável a realização de um diagnóstico realista da situação, identificar os principais problemas, partir para um ambicioso projeto de promoção humana de médio e longo prazo, apostar em soluções e escolher os meios e as estratégias de ação apropriadas. No evento destacaram-se duas lideranças que alertaram os congressistas sobre a magnitude da problemática colonial. O Pe. Theodor Amstad representou os religiosos e o Sr. Hugo Metzler, como diretor do jornal Deutsches Volksblatt, os leigos.
Em seu discurso sobre “Os interesses culturais dos alemães católicos do Rio Grande do Sul”, mostrou aos presentes o quanto o nível cultural dos católicos se encontrava em desvantagem em relação aos protestantes. Em vez de uma melhoria presenciava uma piora na situação. Esse fato deixava os alemães em evidente desvantagem no comércio, na indústria, no acesso às profissões liberais e funções públicas, à hierarquia militar, na competição para concorrer a representação política, etc., etc. A maioria das associações recreativas e culturais encontravam-se em mãos de protestantes assim como a maioria dos seus associados. Responsabilizou por este panorama o baixo nível cultural dos alemães católicos. Urgia, pois reverter esse quadro, atacando o mal pela raiz.
Concluído o discurso de Hugo Metzler, o Pe. Amstad ocupou a tribuna. Reforçou as palavras do orador que o precedeu, insistiu na urgência de um esforço comum para enfrentar os grandes desafios com que os teuto católicos se defrontavam. Propôs  como solução a fundação de uma Sociedade União Popular – um Volksverein, aos moldes das associações similares que estavam rendendo bons resultados na Alemanha, Suíça e Áustria. E, para não ficar em palavras e boas intenções, apresentou à assembleia um esboço de estatuto, a partir do qual, explicou aos presentes a natureza, os objetivos, a abrangência e as estratégias da  organização. No documento apresentado, previam-se como objetivos gerais: promover o bem-estar material e espiritual dos católicos de descendência alemã no Rio Grande do Sul. O alemão seria a língua oficial da associação. Qualquer católico, tendo completado 18 anos podia filiar-se como sócio. Como áreas de prioritárias atuação, estavam previstas: 1. Por em prática as resoluções das assembleias gerais dos católicos; 2. preocupar-se com novas colonizações para católicos; 3. Desenvolver iniciativas católicas de beneficência e assistência, concretizadas na medida em que a necessidade o aconselhar; 4. um constante e geral incentivo às escolas paroquiais católicas; 5. Difusão da boa imprensa e da boa leitura, assim como a edição e distribuição gratuita aos associados de uma publicação periódica; 6. A formação do povo  mediante palestras e conversações; 7. A intermediação de empregos e informações; 8. A assistência jurídica aos associados.
Como se pode concluir, a Sociedade União Popular foi uma iniciativa eminentemente confessional e étnica. Comparando a Sociedade União Popular com a Associação Rio-Grandense de Agricultores que a precedeu e a inspirou, fica uma sensação de um tal ou qual desapontamento. Depois da experiência interconfessional e inter-étnica da segunda, entre 1899 e 1910, voltou-se a uma organização declaradamente confessional católica e étnica alemã. O mesmo vale para o novo projeto dos protestantes com a fundação da Liga União Colonial. Tanto no projeto católico, quanto no protestante, percebe-se a preocupação das respectivas Igrejas com suas instituições, doutrina e disciplina. Já os italianos, todos católicos, fundaram seus Comitatti, com objetivos mais pragmáticos de desenvolvimento econômico e social de suas comunidades.
Uma das maiores, senão a maior das preocupações da Sociedade União Popular, encontrava-se na pressão por novos espaços para serem colonizados. As altas taxas de natalidade, somada a uma mortalidade infantil relativamente baixa  para a época, mais o afluxo de novos imigrantes, agravado pelo pequeno tamanho dos lotes coloniais, tornaram-se fatores de permanente pressão populacional. Buscar novas áreas para desafogar a tensão transformou-se numa das prioridades desde o começo do século XX. A Associação Rio-Grandense de Agricultores patrocinara a colonização de Serro Azul, hoje Cerro Largo e Santo Cristo, a partir de 1902. Na década de 1920 já não havia áreas suficientemente extensas no Rio Grande do Sul, para atender à demanda crescente de novas terras. A Sociedade União Popular optou então (a partir de 1926),  para um projeto de colonização no extremo oeste de Santa Catarina, conhecido historicamente como Porto Novo. Hoje compreende os municípios de Itapiranga, São João do Oeste e Tunápolis. Um projeto similar deveria ser implantado no oeste do Paraná na década de 1950. Por empecilhos diversos não foi implementado. (detalhes na bibliografia indicada).
Desde os primeiros Congressos Católicos, no final do século XIX a preocupação pelo meio ambiente foi um tema recorrente, no período da Associação Rio-Grandense de Agricultores e depois na Sociedade União Popular. É um tema que será tratado numa outra postagem desta série.
No esboço dos estatutos  da Sociedade União Popular, entre as áreas de atuação prioritárias, “desenvolver  iniciativas católicas de beneficência e assistência”. Além de uma preocupação mais genérica pela saúde, higiene e alimentação, destacavam-se, na época, quatro pontos críticos que reclamavam uma atenção mais específica:  hospitais, asilos, orfanatos e sanatórios. No começo do século XX, o acesso a serviços médicos e hospitalares por parte das comunidades coloniais, era muito problemático. Em situações mais graves o recurso – praticamente o único – era Santa Casa de Misericórdia em Porto Alegre. Para chegar até  lá os meios de locomoção resumiam-se em cavalos, carroças, macas improvisadas  e o transporte fluvial até a capital. Com o correr do tempo foram surgindo hospitais e casas de saúde em comunidades maiores e centros urbanos emergentes. Hospitais foram construídos em Montenegro, Feliz, Estrela, Lajeado, Santa Cruz do Sul, Bom Princípio, etc. No mesmo ritmo fixaram-se médicos junto a essas casas de saúde. Foi neste contexto que a Sociedade União Popular decidiu construir um hospital de referência regional, junto ao asilo para idosos já existente desde 1917, em São Sebastião do Caí.
Depois da Primeira Grande Guerra, começaram a multiplicar-se casos de lepra na região de Santa Cruz, Venâncio Aires, Monte Alverne e Arredores. Sabendo da omissão do Estado em relação ao problema,  a Sociedade União Popular chamou a si o enfrentamento da questão.  Uma comissão liderada pelo Pe. Johannes Rick, cuidou dos trâmites legais e práticos. Depois de  encontros com o Presidente do Estado, Borges de Medeiros e autoridades públicas da saúde, o Pe. Rick assessorado pelo médico Dr. Primio Beck escolheu Itapuã como lugar para instalar uma colônia para acolher os leprosos e junto a ela o Amparo Santa Cruz, um orfanato para acolher as crianças pequenas de mães internadas. Todo o empreendimento foi bancado pela Central das Caixas Rurais da Sociedade União Popular, já que o Estado não disponibilizou um centavo.
A pesquisadora Gisela B. Lermen, em sua tese de doutorado sobre a mulher na imigração alemã, deixou registrado: ”A mortalidade materna em consequência do parto, é um dos capítulos mais obscuros da história da colônia”. Os alarmantes dados sobre a mortalidade materna em consequência da precária assistência às parturientes, reclamava medidas urgentes. O dr. Gabriel Schlatter, médico em Estrela e profundo conhecedor da situação da mulher na colônia, levou o problema para o Congresso dos Católicos. O resultado foi a criação, em Estrela, de uma escola para treinar moças da colônia como parteiras. Parteiras treinadas naquela escola ou formadas em outras, circulavam pela colônia como personalidades indispensáveis e respeitadas por todos. Eram conhecidas pelo nome carinhoso de “tia” ou “tia cegonha”, (“Storchentante”).
A escola e a educação mereceu uma atenção toda especial da parte da Sociedade União Popular, por meio da atuação da Associação dos Professores e Educadores Católicos do Rio Grande do Sul, fundada em 1898. Não se celebrava um Congresso sem que o tema escola e educação ocupasse um espaço considerável para avaliar a situação do setor. O feito mais vistoso neste sentido foi a fundação da “Escola Normal” para a formação de professores das escolas comunitárias, conhecido como “Lehrer Seminar”, em 1923. E, para concluir este resumo, não pode ser omitido o fato de a Sociedade União Popular ter resolvido reunir numa central as caixas rurais, ou cooperativas de poupança e empréstimo, dispersas pelas localidades mais diversas, independentes e carecendo de uma orientação central. Esta decisão municiou a Sociedade com os recursos indispensáveis para financiar projetos de colonização, como Porto Novo, hospitais e asilos, como São Sebastião do Caí e a colônia de leprosos de Itapuã.

Os personagens mais significativos da Sociedade União Popular

Pe. Theodor Amstad    Pe. Johannes Rick  -  Pe. Max v. Lassberg     Sr. Hugo Metzler






This entry was posted on sábado, 30 de agosto de 2014. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.