Nacionalidade e cidadania

No momento em que se procura entender os episódios que marcaram a Campanha de Nacionalização, nas décadas de 1930 e 1940, é preciso não esquecer que eles se originaram, antes de mais nada, de um fundamento filosófico-ideológico. Não passa de um primarismo simplista quere reduzir essa problemática a uma mera preocupação das autoridades do Estado Novo, em nacionalizar as “comunidades estrangeiras”, supostamente refratárias à sua inserção na comunidade nacional. Nem tão pouco esgotam-se nas estratégias postas em prática com essa finalidade e a execução confiada a coerção e a ação policial. Não se resumem também em neutralizar e erradicar focos e células da propaganda nazista. A questão é muito mais profunda e complexa. É preciso buscar as causas em outro nível, principalmente quando a Campanha de Nacionalização teve como alvo as comunidades de descendentes de alemães nos três estados do sul do Brasil. É forçoso perguntar porque elas resistiram em abandonar a língua alemã e porque persistiram em manter a sua maneira de ser alemã? Será que essa atitude significou, na verdade, uma recusa em aceitar a plenitude da cidadania brasileira e, ao mesmo tempo, fez dos imigrantes e seus descendentes, cidadãos pouco confiáveis, que sabe a um passo da defecção, quando aliciados pela propaganda nacional-socialista. Posta a questão numa outra perspectiva, vale perguntar: É possível  que uma pessoa que só fala alemão, que se comporta como alemão  e não faz segredo da sua admiração e adesão à germanidade, é capaz, ao mesmo tempo, de assumir plenamente a condição de cidadão brasileiro? Sem entender  as causas dessa aparente “esquizofrenia existencial” dos alemães aqui radicados, serão inúteis as tentativas para compreender os posicionamentos e os conflitos então ocorridos. A raiz do problema, o fulcro do conflito entre teuto-brasileiros e luso-brasileiros encontra-se na compreensão desencontrada dos conceitos de “nacionalidade e cidadania”.

Na tradição histórica alemã e de outras tradições europeias a nacionalidade representa uma condição humana desvinculada da condição de cidadania. Este fato deve-se, antes de mais nada, à conceituação de nacionalidade, partindo de uma série de fatores que independem da vinculação com algum Estado, e como consequência, do fato de alguém estar comprometido com ele como cidadão. Entre as determinantes da nacionalidade, enumeram-se a raça, a etnia, a cultura com seus valores, a história, a tradição, enfim, a maneira própria e peculiar de ser decorrente deles e, sobretudo, a língua. A nacionalidade, neste caso, fundamenta-se no “ius sanguinis”, o direito pelo sangue, pela herança, com seus elementos básicos: raça, cultura e língua e não no “ius soli”, isto é a cidadania determinada pelo território de um Estado em que alguém nasceu. Para a tradição alemã nacionalidade tem como referência o “ius sanguinis” e nacionalidade para a tradição luso-brasileira tem como detrminante o “ius soli”. Em resumo: ser alemão significa viver de acordo com as tradições alemãs e falar a língua alemã, o que não impede que se seja cidadão de qualquer outro estado; ser brasileiro significa ter nascido em território brasileiro ou ser naturalizado, e assim sendo, ser cidadão brasileiro. No período do Estado Novo cm a sua proposta de “abrasileiramento” também em relação à maneira de ser, principalmente, à língua, o conflito foi inevitável.


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