As impressões de uma mulher pioneira
na colonização de Porto Novo
A
autora dos relatos que seguem foi a senhora Maria Rohde, nascida Wiersch,
esposa de Carlos Rohde, primeiro Diretor da colônia de Porto Novo. Ela nascera
em Trier na Alemanha, migrara com a família para Cincinati nos USA, onde obteve
a cidadania americana. Depois da Primeira Guerra Mundial migrou com os pais e irmãs para o sul do Brasil, fixando-se
em Estrela, na localidade de Corvo, hoje Colinas. Casou-se com Carlos Rohde que
fez parte do primeiro grupo de colonizadores, como consta da relação da
postagem anterior. Em dezembro de 1926, Maria foi residir com o marido numa
colônia de terra em Porto Novo e acompanhou durante mais de 20 anos a evolução
daquela nova fronteira de colonização. Vale apena acompanhar o registro das
suas experiências como mulher, coisa rara, num empreendimento daquele porte.
Nas postagens que seguem reproduzimos o relato que no original integra, como
capítulo II, a obra: “Wie eine Frau eine Urwaldsiedlung wachsen sah”. – “Como
uma mulher viveu o desenvolvimento de uma povoação na floresta virgem”.
Tradução do original
Movidos
pelas informações de março de 1926, reuniu-se um grupo de viajantes de Estrela
que planejou a partida do primeiro grupo de compradores de terra. Em Santa
Maria associaram-se a ele outros
interessados.
Naquela
ocasião eu tinha dificuldade em imaginar o que significava na verdade o “ir
para a mata virgem”. Inevitavelmente fantasias as mais impossíveis começam
a povoar a imaginação: as lutas com
tigres, tamanduás, macacos, índios, etc. Depois vem os terríveis gigantes da
floresta, com um metro de diâmetro, a vegetação baixa intransponível e as
muitas cobras, além de uma infinidade de outros viventes selvagens.
E
lá meu marido projetara armar a tenda
para o nosso futuro?!
Já
viajara para lá a fim de examinar a mata virgem. Voltou tomado por inteiro pelo
entusiasmo e agora partiu como guia, com os primeiros compradores de terra e
providenciar o local da nossa morada definitiva. Eu ficaria com meu filho
pequeno na casa dos meus pais, até que um talião de mato fosse derrubado e
construída a primeira casinha. Ainda não estava em condições de familiarizar-me
de todo com a perspectiva de partir para os ermos e deixar tudo para trás o que
tem o nome de cultura. Mas a empolgação do meu marido somado a um pouco de
curiosidade pelo desconhecido, acompanhar a evolução de um povoamento étnica e confessionalmente
identificado, desde o seu embrião, serviram de estímulo e combustível ao mesmo
tempo. Representaram também um apelo para também naquelas circunstâncias
cumprir o papel, igual aos nossos antepassados, embora em condições muito mais
difíceis. E por isso, a decisão estava tomada: “Eu te acompanho, para o que der
e vier”.
Foi
então que assisti à partida dos primeiros colonizadores. Observei atentamente
os personagens. Eram homens sólidos e sérios, os alforjes cheios e estufados
contendo o mais essencial e não faltavam os ponchos. Perguntei, se também
levavam armas suficientes?Um deles deu uma risada e disse: “Carregamos conosco
o revólver”, e apontando para o sólido facão forjado na ferraria, acrescentou:
“este basta, com ele resolvemos tudo”.
A
expressão do rosto demonstrava, que levavam a coisa a sério. Assim partiram
afoitos, os primeiros pioneiros em busca de terra. Alguns já eram pais de
família com certa idade, em busca de terras para os filhos, outros para si
próprios.
O
que no fundo, no fundo mais me preocupava foram notícias vindas da mata virgem.
Eu sabia da não existência de uma agência do correio e as cartas e informações
ficavam por conta de pessoas privadas que as entregavam na estação do trem mais
próxima em Belisário, a 200 quilômetros de distância. Foi preciso reforçar a
confiança em Deus e lembrar a verdade: “Sem o seu consentimento não cai sequer
um cabelo da cabeça”. Disso também o idoso senhor Simon Schaefer, que fazia
parte do primeiro grupo, estava convencido. Admirava-me muito que um senhor de
idade tão avançada ainda se dispunha a partir para a mata virgem. Ele dizia: “É por causa dos filhos.
Há lugar para todos e uma vez reunidos, os outros seguirão. Ao trabalho estamos
acostumados, e assim, um pode ajudar ao outro.
Este
velho veterano da mata virgem tornou-se mais tarde o nosso vizinho. Em pouco tempo,
junto com os filhos fez arável uma grande área de floresta. Cultivou a sua
terra com aplicação e fé em Deus. E a bênção não se fez ausente.
A
esse primeiro grupo em busca de terras seguiram, um por um, muitos outros. Não
poucos ficavam logo no mato para abrir clareiras e instalar o primeiro abrigo.
Outros, depois de fechado o negócio, voltavam para buscar ajuda. Falavam da
beleza e da qualidade da terra e das vantagens que a Sociedade União Popular
oferecia. O testemunho do que pessoalmente tinham visto serviu de reforço para
a propaganda. . Além disso publicavam-se regularmente informações no
Skt.Paulusblatt, órgão da Sociedade União popular. Não demorou e Porto Novo
fazia parte da conversa diária das pessoas.
Quando
então seguiu uma propaganda sistemática, em parte pelo secretário itinerante da
Sociedade, em parte por impressos distribuídos entre a população, houve uma
forte intensificação da venda de terras. Pessoas em busca de terra de todos os
cantos do Rio Grande do Sul, dirigiam-se até lá, fazendo com que o
empreendimento festejasse um bom começo. Aconteceu que na Central em Porto
Alegre cabeças lúcidas se empenharam sem descanso, para aplainar o caminho e resolver os problemas que, pela própria
natureza das coisas, não eram poucos.
De
qualquer forma o começo prometia. As perturbações da revolução de 1926
motivaram preocupações aqui e acolá, mas apostava-se que a região de florestas
despovoada, seria poupada. As informações que chegavam na minha casa eram
tranquilizadoras, ao ponto de substituir minha percepção da floresta virgem por
representações bem mais positivas. O tempo custava passar até que a nossa
“casinha” na mata virgem estivesse em condições para viajar com toda a
“mudança” para lá. Informada por cartas e relatos de pessoas, pude compor um
quadro bastante real da evolução das coisas enquanto empenhava-me preparando a
mudança. Estava previsto que tudo estivesse ordenado até o fim ano e meu marido
me viria buscar.
Acontece
que já em outubro recomeçaram as intranquilidades na fronteira e os jornais
noticiavam sérios assaltos em muitos lugares. Com isso a movimentada venda de
terras entrou em compasso de espera, pois, em tempos de tanta perturbação
ninguém arriscava-se a andar pelas estradas. Com isso a circulação de notícias
foi seriamente afetada. Quando, em novembro aconteceram revoltas militares de
maior porte, o serviço de comunicação caiu a zero. Passaram-se semanas sem que
chegassem até nós notícias da floresta virgem. Somou-se a tudo isso um período
de chuvas fora do comum, com inundações e histórias de arrepiar o cabelo começaram a
circular. As perspectivas de um encontro em breve, pareciam cada vez mais
longínquas.
Certo
dia espalhou-se o boato de que um comprador de terra que retornara de Porto
Novo, teria contado que os revolucionários sob o comando de Leonel Rocha,
teriam assaltado Porto Novo e assassinado todos os moradores. Mesmo que não
engolisse assim no mais o boato, o fato
causava-me muita apreensão, já que por semanas estava sem notícias. Telegrafei
à Central de Porto Alegre que também
estava sem informações. O sr. Secretário Geral não voltara ainda da viagem para
a colônia.
Não
obtendo informações, decidi, custasse o que custasse, viajar até lá. Todas as
objeções da parte dos pais e amigos não adiantaram. Já não tinha condições de
suportar a incerteza. Nosso filhinho de um ano ficaria bem protegido junto aos
avós e a data da viagem fixada para 10 de dezembro. Um caminhoneiro de Corvo
aceitou levar-me, já que ele também tinha suas apreensões com parentes lá
estabelecidos. Além disso, há tempo, uma outra família aguardava ocasião para
mudar-se. A oportunidade não podia ter
sido mais favorável. Associei-me ao grupo, mas levei comigo apenas o mais
indispensável até que entrassem dias mais seguros. Os nossos pertences podiam
tranquilamente ficar com meus pais. Despedi-me de ânimo pesado do filho, dos
pais e dos irmãos. A incerteza e a preocupação para com a sorte do meu esposo,
forçavam-me para a floresta virgem.
Foi
numa manhã quente e mormacenta de dezembro. Bem cedo, estava tudo pronto para a
partida e antes do nascer do sol estávamos acomodados no caminhão. Os filhos da
família Timm, meus companheiros de viagem, estavam fora de si de alegria com a
perspectiva da primeira grande viagem. Encaravam as coisas e acontecimentos com
alto astral e grande expetativa. A despedida não lhes parecia difícil. As
crianças não percebem que, antes de tudo, é preciso cortar os laços afetivos
com a antiga querência e as pessoas amadas. A última saudação e o último aperto
de mão: “Deus os proteja!” O momento
ecoava com insistência na alma e no coração. Por um bom tempo olhava para trás
e enxergava minha mãe com o menino nos braços abanando, até que a distância os
fez desaparecer e a realidade começou a reclamar seus direitos.
Além
da família de nove membros, embarcaram mais alguns outros passageiros que com
os solavancos do carro denunciavam sua presença. Um casal de redondos e belos
leitões de raça, que estavam acomodados num caixote preso no estribo,
garantiriam, também na mata virgem a
proliferação da criação de suínos do Rio Grande do Sul. A família acomodara de
tudo no fundo do caminhão, que na época felizmente não tinham as dimensões dos
de hoje, senão, em pouco tempo teríamos atolado, pois, as estradas eram bem
ruins. Apesar de tudo a viagem pela região colonial antiga correu a contento,
isto é até Neu Württemberg, onde chegamos no segundo dia ao anoitecer. Tudo
correu com relativa tranquilidade, excetuando uma noite passada dentro do
caminhão por causa de uma violenta tempestade. O temporal nos surpreendeu numa
região com perigosos declives e estradas precárias e a viatura derrapava.
Dos
revolucionário dos quais nos haviam alertado, até este momento não tínhamos
visto ou ouvido nada. Contudo nos desaconselharam insistentemente em Neu
Württemberg a continuar a viagem. Corria a informação de que as coisas andavam
feias em Porto Novo e Porto Feliz e que a brigada militar fora deslocada para a
lá, a fim de conter os revolucionários. Além disso corríamos o risco de, na
viagem, o nosso caminhão ser requisitado para o transporte de tropas, fato que
ocorrera em vários casos nas semanas anteriores com carros em viagem.
Aguardamos por um dia e depois não nos deixamos segurar mais. Não conseguíamos
imaginar que uma família com numerosas crianças, fosse pura e simplesmente
fosse largada na estrada com seus pertences. Portanto, seguimos viagem.
E,
de fato, a parir de Neu Württemberg não cruzamos por uma único carro. Em toda a
parte encontramos postos de vigia e observamos militares reunidos em grupos
maiores e menores. Com a chuva baixara a
temperatura, por isso descemos as lonas nas laterais do carro, tornando difícil
identificar o tipo de carga que levávamos. Pouco antes de chegar em Tesoura,
avistamos uma grupo de soldados esperando na margem da estrada. Um dos
uniformizados fez-nos parar na estrada. Senti-me pouco à vontade. Acreditava
que o impossível se abatera sobre nós. Desesperada procurei os vocábulos no meu
português precário da época, para uma explicação plausível e assim sermos
liberados para continuar a viagem. Neste meio tempo ficou claro de que o
educado homem de farda, apenas estava interessado por informações sobre um
caminhão que eles estavam esperando. Com
a negativa do motorista permitiu que continuássemos a viagem – Graças a
Deus. Apesar disso não me foi possível afastar a sensação desagradável de que o
alerta bem intencionado do pessoal de Neu Württemberg se tornasse realidade.
Tudo
apontava para esse desfecho. O tempo e as estradas estavam molhadas e
escorregadias e os caminhões requisitados para o transporte das tropas não
apareciam. Por todos os lados havia tropas acampadas esperando por transporte.
E não deu outra. Na localidade seguinte fomos interceptados. Na meia escuridão
do interior do caminhão peguei o pequeno Timm no colo, envolvi-o num cobertor e
o tomei nos braços como se estivesse gravemente doente. Ainda tive tempo para
cochichar no ouvido do motorista para que ele fizesse ver às autoridades que tínhamos
conosco alguém gravemente doente. As coisas se passaram conforme minhas
suspeitas. Um sargento pôs-se a negociar um transporte para o seu pessoal, com
a promessa: “só para um pequeno trecho”. O motorista entendeu o jogo e insistiu
que levava um doente para o médico. E quando o sargento percebeu minha cara de
sexta-feira santa e gaguejando algo como “febre e tifo”, baixou a lona e mandou
seguir.
Tínhamos
encontrado o remédio para salvar-nos e a confiança do seu efeito também em
futuras eventualidades. Sem maiores contratempos chegamos ao campo. Lá
vivenciamos, principalmente as crianças, uma gostosa aventura. No hotel em
Soledade meus gatinhos, aliás mansos, que eu levava numa caixa fechada com tela
para moscas e deveriam servir de partida para povoar a floresta virgem,
correram bufando pela mesa, quando levantei um pouco a tampa para dar-lhes
comida. O episódio terminou numa verdadeira caçada digna de uma aventura.
Depois foi a vez dos leitões do Timm. O caminhão ao passar por um barranco
saliente encostou com o estribo sobre o qual se encontrava as caixa com os
leitões. Esta rompeu-se e grunhindo os bichinhos mandaram-se campo afora. Desapareceram
no capim alto e puderam ser localizados pelo grunhido. Para alegria das
crianças foi preciso organizar um autêntico cerco e depois de duas horas
estavam de volta na sua prisão. A viagem continuou através do interminável
campo. Atravessamos Palmeira com a
respiração retida e as lonas abaixadas. Militares movimentavam-se por toda a
parte e as pessoas observavam com ar de espanto. Quem sabe perguntavam-se se o
caminhão levava mais um reforço para as tropas acantonadas na zona da floresta.
Ninguém suspeitava de que se tratava apenas de estrelenses pacíficos de passagem
para a floresta virgem. De qualquer
forma passamos sem contratempo e ao entardecer alcançamos a região da floresta.
No caminho encontramos por toda a parte
soldados isolados ou em grupos menores,
cuidando de postos de vigia.
Haviam-nos informado que em Barril [1]-
pequena localidade formada por apenas algumas cabanas – havia um pequeno
“hotel”, no qual era possível pernoitar, coisa que pretendíamos ainda antes do
escurecer. Aos poucos a estrada tornou-se cada vez mais estreita. As árvores
formavam uma abóboda sobre as nossas
cabeças, dando a impressão que escurecia antes do tempo. Observamos ao longe
uma clareira. Pelos nossos cálculos deveria ser Barril. Respiramos aliviados
com a perspectiva de que, pelo menos naquela noite, encontrar um lugar para
descansar e relaxar o corpo depois de uma viagem tão cansativa. O motorista
soltou um suspiro de alívio, pois, vencera a parte mais difícil da sua tarefa.
Com a disposição renovada rumamos em direção à clareira.
Já
quase escuro nos aproximamos da cabana maior que nos fora indicada como sendo o
hotel. Alguma coisa que, á primeira vista não conseguíamos identificar, impedia
a passagem. De repente tudo começou a movimentar-se e antes de deixarmos nossos assentos, uma multidão movimentava-se
em nossa volta. Tudo aconteceu tão silenciosamente quando percebemos que tínhamos
invadido um acampamento de militares, que se instalara no local para passar a
noite. Por toda parte viam-se, sentados ou deitados, os cultos cansados depois
de uma longa marcha. Também em ambos os lados da estrada mexiam-se soldados e
cavalos relinchavam.
E
agora? Arrastamo-nos para fora para verificar se no “hotel” havia algo para
beber e se era possível passar a noite.
O
dono informou-nos com pesar: “Nem água”. “Os senhores nem podem imaginar-se o
quanto uma tropa dessas precisa, e buscá-lo onde não há nada”. Com a seca o
poço há tempo não tinha mais água, nem para as pessoas nem para os animais. Mas
se tivéssemos um pouco de paciência, mandaria um soldado até o arroio para,
pelo menos, buscar água para o chimarrão. Infelizmente para comer não havia
nada e as camas e os colchões ocupados pelos oficiais”.
Por
sorte levávamos conosco provisões próprias e não foi preciso passar fome.
Sentados no estribo mastigávamos e engolíamos em seco. Mais tarde tomamos chimarrão para matar o grosso
da sede. O hoteleiro contou-nos depois o que havia acontecido e como andavam as
coisas. De noite de qualquer forma as coisas parecem muito mais negras e não
havia outra saída a não ser esperar pelo amanhecer, observar tudo na luz do dia
e tirar as conclusões. Estávamos tão cansados da viagem de dias, do calor e do
pó, que tínhamos um único desejo: dormir. Depois de algum tempo apareceu a senhora
hoteleira para oferecer-nos um canto na cozinha. Assim pelo menos as mulheres e
as crianças dormiriam sob o telhado. Os ponchos e pelegos seriam da nossa
conta. Iluminados pelo fogo do acampamento os Timm armaram o pernoite no canto
da cozinha. Eu, da minha parte, preocupada com os nossos pertences, preferi
dormir no caminhão. A senhora Timm manifestou preocupação pelo fato de uma
mulher sozinha, passar a noite em meio a um acampamento de militares. Mas eu a
tranquilizei dizendo, que eu tinha como me defender. De qualquer forma, o
motorista que em algum lugar tomava o bem merecido chimarrão, vigiaria a carga.
Pedi
para falar como o oficial que comandava a guarnição. Ele falava um pouco de
francês e inglês e assim consegui entender-me com ele. Apelei para a sua honra
de oficial e pedi garantias que eu pudesse
passar a noite no caminhão sem ser molestada. Ele percebeu logo com que
tipo de pessoa estava conversando. Ordenou imediatamente a remoção das
instalações do acampamento e os homens perto do caminhão. Deu-me solenemente a
sua palavra de honra de oficial de que fosse descansar tranquila, que ele respondia
por seus homens. Agradeci-lhe pela gentileza e o informei que carregava comigo
um pequeno revólver. Em caso de emergência daria um disparo de advertência para
o ar. Ele deu uma risada e garantiu que neste caso todo o batalhão me
defenderia. Esforcei-me para acreditar. Acontece que aquelas figuras imundas,
queimadas do sol e desgrenhadas, pareciam selvagens e de forma alguma
inspiravam confiança. O seguro morreu de velho. Fechei a lona da melhor forma
possível, enrolei-me no cobertor, escondi o revólver debaixo do travesseiro que
por sorte trouxera comigo e acomodei-me como pude.
Em
dormir, nem pensar. De qualquer forma deu para descansar um pouco. Percebi na
escuridão a vinda do motorista que se acomodou na frente sobre o assento na
cabine. Reinava um silêncio desconfortável. Os últimos fogos do acampamento
estavam apagados. A noite parecia interminável. Não conseguia identificar os
ponteiros do relógio. A ronda da patrulha indicavam-me a passagem de cada hora.
Devem ter sido as substituições das
guardas. Na minha cabeça agitavam-se os pensamentos mais loucos. Era contudo
verdadeiro que acontecera um assalto a Porto Novo, mas ninguém sabia informar alguma
coisa certa. O que teriam passado os pobres moradores na floresta? O que estará
acontecendo já que chegavam tantos reforços? Não tinha coragem de continuar
pensando e apenas escutava apreensiva o silêncio da noite, com a esperança de
perceber o carros que deveriam estar voltando. Tudo em vão. O oficial
dissera-me que, para o meio do dia seguinte, esperava-se o primeiro caminhão
vindo de Porto Feliz, com notícias e ordens. A necessidade faz rezar. Percebi
então que em tais circunstancias é um privilégio todo especial, encaminhar
todas as nossas preocupações e
apreensões, ao Pai do Céu por meio da oração, que, à sua maneira, podemos estar
certos da sua atenção paternal.
(continua
na postagem seguinte)